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Cólica forte em adolescentes é primeiro sintoma da endometriose

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Ficar de cama "naqueles dias" é normal na adolescência. E, quando casar, passa. A brincadeira repetida por avós, mães e tias entre ofertas de chás e de bolsas de água quente perdeu a graça. No lugar dela, entra um alerta nacional para que as famílias desconfiem da recorrência de cólicas incapacitantes: é o primeiro sintoma da endometriose, que pode levar à infertilidade na idade adulta e que tem muito mais chances de ser contornada com um diagnóstico precoce.

A doença, que se caracteriza pela presença do endométrio (tecido que compõe a camada interna do útero) fora do seu órgão de origem, ganhou o apelido de "mal da mulher moderna" e começou a chamar a atenção nos últimos dez anos.

Das clínicas de fertilização vem a maioria das pacientes que partem para investigações e recebem o diagnóstico. Embora não existam estatísticas precisas dos casos de infertilidade, é consenso entre os especialistas que essa é uma das causas mais freqüentes da dificuldade de engravidar, e sabe-se que metade das portadoras se torna infértil.

O que poucos consideram é que essa dificuldade se desenvolve lentamente e pode ser desencadeada logo no início da idade reprodutiva, antes mesmo de a menina ter sua primeira relação sexual.

"Endometriose é um problema que acomete quem menstrua. Mulheres que desenvolverão a enfermidade já podem ter, aos 14, 15 ou 16 anos, a tendência ou a manifestação leve", diz Marco Aurélio de Oliveira, ginecologista e chefe do ambulatório de endometriose do Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). Segundo ele, a presença de adolescentes vem aumentando no ambulatório, por onde já passaram mais de 400 pacientes.

A observação é compartilhada pela Abend (Associação Brasileira de Endometriose), que, a pedido da Folha, analisou a faixa etária das portadoras que procuram ajuda. "Levei um susto. Mais da metade tem até 25 anos e já sentia os sintomas há algum tempo", revela a presidente, Eleuze Mendonça.

A idéia de que sentir dor ao menstruar não é nada demais é uma das razões do diagnóstico tardio -segundo estimativas do Nepe (Núcleo Interdisciplinar de Ensino e Pesquisa em Endometriose), meninas que começam a sofrer com os sintomas na adolescência chegam ao diagnóstico até 12 anos depois, quando muitos estragos já foram feitos ao corpo.

O núcleo realizou na semana passada, em São Paulo, a 1ª Campanha Nacional de Esclarecimentos sobre a Endometriose, a fim de divulgar conhecimentos sobre a doença, que hoje atinge cerca de 6 milhões de brasileiras. No mundo, a marca é de 30 milhões.

Incógnita


As causas do distúrbio seguem desconhecidas. Hoje, uma das teorias mais difundidas é a de que alterações do sistema imunológico levam o corpo a atacar partículas do endométrio arrastadas no refluxo do sangue menstrual para outros tecidos (leia mais no quadro na pág. 9), gerando inflamações crônicas que podem levar à adesão de órgãos. Fatores genéticos, estilo de vida, sedentarismo e alimentação inadequada potencializam o risco.

Facada


"Sempre tive cólica, mas, aos 16, piorou. Era uma dor diferente, aguda, parecia que me davam uma facada na barriga", conta a professora de matemática Karen Campitelli, 22, que tem endometriose e já se submeteu a uma intervenção cirúrgica para tratar a doença.
Na cirurgia, ela teve de retirar o ovário esquerdo e um pedaço do intestino, que estavam danificados.

A partir dos 16, era hospital todo mês. "Tinha febre, passava mal onde estivesse, na rua, no ônibus. Era internada e me davam Buscopan na veia", lembra. Uma crise mais forte foi confundida com apendicite. Foi dessa vez, muitos anos depois de surgirem as primeiras cólicas crônicas, que ela descobriu o que tinha realmente.

"Passei por tanta coisa, fiz simpatia, pus garrafa quente na barriga, tomei tanto chá, tanto remédio. Ao mesmo tempo, tinha uma alimentação horrível, passava 12 horas na faculdade estudando, vivia estressada, só comia besteira", relata.

Com o diagnóstico, veio o medo. "Fiquei deprimida achando que ia ficar estéril." Mas a intervenção veio a tempo de afastar essa possibilidade.

Hoje, Karen ensina: "Quem tem muita dor, dessas de não conseguir ir à escola nem fazer nada, tem que se informar logo cedo, ir ao médico, fazer exames. Eu achava que não precisava de ginecologista porque era virgem. Toda menina precisa. Hoje estou bem, feliz, noiva, sei que vou ter filhos. Faço ioga para afastar o estresse e vigio a alimentação. De lá para cá, já perdi 14 kg".

Gravidez


O tempo de tratamento adequado é uma variável importante para evitar complicações na gravidez. Que o diga a relações públicas Lívia de Queiroz Soares, 23, grávida de sete meses. "Esse bebê na minha barriga é um milagre. Cada vez que ouvi que talvez não pudesse ter filhos fiquei arrasada. Fui até Salvador com meu marido para fazer promessa", conta.

Da primeira menstruação, aos nove anos e acompanhada de dores que ela descreve como "insuportáveis", foram dez anos até receber o diagnóstico correto. As pistas sempre estiveram ali: além da dor recorrente, o fluxo era intenso e irregular. "A cólica era incapacitante, eu não fazia mais nada, passava dias com as mãos suando de tanta dor."

Aos 19, foi internada, também com suspeita de apendicite. Descobriu a endometriose, tratou-se e, mesmo assim, levou dois anos para engravidar. "Tem sido uma gravidez complicada, tive pressão alta, perdi líqüido amniótico. Mas o bebê está aqui, firme."

Depois que soube o que tinha, Lívia fez campanha entre as amigas para que investigassem suas cólicas. "Uma delas descobriu que também tinha a doença e nós passamos a nos dar forças, a cuidar juntas."

TATIANA DINIZ

Fonte: Folha de S.Paulo


   
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